Acho que todo roteiro começa muito antes de ser escrito, sob a superfície da memória e daquilo que aconteceu e foi registrado, sendo a eclosão de momentos passados na busca de uma voz, encontrando o seu gatilho no tempo. E os meus gatilhos se mostraram em 2016, durante um bombardeio de crises pessoais, e avalanches políticas e morais no país. O ponto de supersaturação, sulcando o cimento numa linha, marcando a minha resolução em aceitar as responsabilidades pelo que acredito como artista, ou me abraçar como fraude. Então veio a tela em branco, aguardando palavras comprimidas e condensadas que demoraram a dissolver no contato com o ar. Frases liquefazendo e se moldando no brilho do notebook velho. Escrever era tossir, cuspir esperanças frágeis e ver a pele mudar de azul para o branco amarelado um dia depois da noite. Uma página. Sete. Quarenta. Mais. E a dor nos pulmões lembrando que existia fogo e sombras secas por mais, para limpar, expurgar, moldar e polir.

​